
Vamo-nos sentar à mesa e deixar que o Dono da Ceia nos lave os pés cansados de andar. Vamos comer e beber do que Ele nos oferece e participar dessa Vida que é para nós. Vamos usar dessa alegria sóbria da Quinta-Feira, porque sabemos o que vem a seguir, porque conhecemos o preço do amor. Terá a forma de cruz, no dia seguinte. Um Homem-Rei toma o patíbulo como trono. De braços abertos, nessa hora final das três da tarde, pede perdão por nós, promete-nos o Paraíso, entrega-nos a Mãe, sofre o abandono do Pai, bebe o vinagre da sede, cumpre, cumpre-se e entrega o Seu Espírito. Na Sexta-feira, sacerdote e templo unem-se na Cruz. Deus morreu. O resto é silêncio. Um silêncio dorido de morte. Calam-se os sinos. Os altares estão nus.
O Sábado acorda triste. Estamos vazios. Este é o dia da ausência. Um dia que só se levanta ao anoitecer, quando o fogo se acende, quando as luzes rompem a escuridão, quando a água renasce, pura, para libertar da escravidão, quando a Palavra rebenta a pedra do sepulcro, quando os sinos explodem, quando o Aleluia rasga a tristeza e a morte cai, derrotada, aos pés da Cruz.
Ouvimos, então, a voz do passado,
- Mãe, já se pode brincar?
E a mãe que sim. Porque é Domingo de Páscoa e os sinos enfeitam o ar que cheira a jasmins e a comida de forno. Porque a Vida ganhou a batalha. E a esperança. E a alegria. Tínhamos um vestido às flores para estrear e uma fita de cetim a segurar o cabelo. E tínhamos a vida. E o tempo. E o mundo. Tudo o que se seguiria havia de ser bom: nem Deus estava morto, nem os pássaros tinham ficado sem voz. Afinal, ainda havia esperança.
Graça Alves
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